sexta-feira, 1 de junho de 2012

Casa Ricardo Teles

1.       As características do contexto de intervenção e o modo como o projecto lhes responde

A Casa Ricardo Teles situa-se em Cinfães, uma vila com ar bucólico, onde quase todas as casas estão viradas para o rio Douro e enquanto umas se apresentam com fachadas nuas, outras acarretam com dignidade os respectivos brasões. É notório o protagonismo que é dado a esta paisagem que envolve a casa e de como esta se transforma numa experiência perceptível em todo o projecto.
A razão pela qual a implantação surgiu naquele território, originando aquela forma, foi o desejo que Manuel Botelho, nascido numa zona rural do distrito de Viseu - onde passou a sua infância – tinha, logo desde início, não só a intenção de ligar os dois caminhos pré-existentes, como também, manter intacto o poço. O arquitecto definiu o caminho como sendo estruturante do núcleo rural.
É de salientar também que, em 1987, ano em que o arquitecto projectou esta casa, a envolvente do terreno “era muito mais bonita”, tal como afirmou Manuel Botelho (num esclarecimento do projecto, realizado pessoalmente com o nosso grupo de trabalho) e, por isso mesmo, criou aqueles enfiamentos visuais, com o interesse de trazer a paisagem exterior para o interior, criando uma relação directa com a envolvente.
Relativamente aos materiais/mão-de-obra, Manuel Botelho utilizou os materiais disponíveis da sua terra natal, com a vontade de engrandecê-la mas também para enriquecer a casa de pormenores únicos que ficassem para sempre como segredo artesanal/regional, sem cópia possível como chaves, fechaduras e estores, que se repetem ao longo da casa. Para além destes, o próprio arquitecto torna o mobiliário multifuncional, ou seja, a delicadeza com que ele trata estes pormenores, como de repente, uma escada abrir-se como um gavetão ou, simplesmente, servir de cadeira. Esta maneira de trabalhar o mobiliário pode-se definir como “metaforismo”.


2.       A lógica funcional e espacial da planta que melhor representa o projecto (a definir pelo grupo)



Do nosso ponto de vista, a planta que representa melhor o projecto é a do segundo piso, visto que permite um confronto directo com a mais importante característica da casa: o acesso – da rua ao interior; do interior à paisagem e ao horizonte; do interior ao interior.
O acesso ao segundo piso é feito após atravessar o momento de entrada, à direita, através de umas escadas, sendo perceptível o seu recorte do lado exterior, provando que, o betão, tal como o vidro, pode adquirir a principal característica deste - uma leitura transparente - segundo Manuel Botelho. Estas escadas levam-nos a uma área definida como “sala de trabalho” que tem a particularidade de estar, ligeiramente, a uma cota inferior da restante configuração do piso. Neste espaço, encontramos uma pequena escada que nos leva a um corredor onde nos permite aceder às diferentes repartições, designadamente os quartos. O primeiro quarto, destinado ao filho, tem uma especial particularidade: possuí uma pequena varanda com cerca de trinta centímetros, apenas para permitir que, quando nos aproximamos desta, tenhamos a sensação de exterior, pois a cobertura está recortada. Os próximos dois quartos, destinados às duas filhas do casal, têm a excepção de se poderem unificar, permitindo que elas comuniquem directamente pelos quartos. Como podemos ver em planta, nenhum destes quartos referidos possui uma casa-de-banho privada, logo a próxima divisão é a casa-de-banho “pública”. No fundo do corredor, encontra-se o último quarto, este foi projectado para o casal, sendo o maior quarto da casa, e tendo um desenho específico; cria um jogo de claro e escuro, através de entradas de luz, estrategicamente pensadas, para que esses raios possam reflectir nos espelhos presentes, no quarto, para que se crie esta dinâmica de luzes. Ao contrário dos quartos anteriores, este contém a sua própria casa-de-banho.


3.       A lógica funcional e espacial do corte que melhor representa o projecto (a definir pelo grupo)


Na nossa opinião, o corte que melhor representa o projecto, é o corte C1, pois este demonstra, claramente, o conceito do arquitecto Manuel Botelho.
O corte começa com um dos muros, que limita a área pública da área privada, e podemos ver que tem ao longo deste uma pequena área interior percorrível e, logo após temos a casa. Relativamente às escadas que visualizamos, permitem a transição do piso 0 para o piso 1, onde temos acesso ao pátio – o coração da casa. Do lado esquerdo da habitação, encontra-se uma pequena área, onde está presente o poço (elemento não visível neste corte) e o outro muro que limita o fim do terreno privado.


4.       Os aspectos do projecto mais próximos dos modelos canónicos do movimento moderno
Estando inserida no contexto do Movimento Moderno, esta obra apresenta algumas características comuns a outras grandes obras, como por exemplo a cobertura plana e as janelas horizontais (dois dos cinco pontos de Le Corbusier).
Observando o aspecto exterior da casa, feito com materiais usuais nas construções daquela região, deparamo-nos com um carácter austero marcado pela sua densa geometria e realçado pela sua cobertura plana. No entanto, esta aparência confere uma certa protecção da intimidade do lar pois, tal como referido por Hermann von Muthesius, “as casas são feitas para se viver nelas, não para olhar para elas”[1] e, tal como, Alvar Aalto se preocupou na humanização das suas obras, também, Manuel Botelho se preocupou com que a casa fosse um espaço confortável para habitar, sem que, contudo, caísse num desenho vulgar.

“A casa deve agradar a todos. Ao contrário da obra de arte, que não tem de agradar a ninguém. A obra de arte é assunto privado do artista. A casa não. A obra de arte é posta no mundo sem que existe necessidade dela. A casa responde a uma necessidade. A obra de arte não deve contas a ninguém, a casa a qualquer um. A obra de arte quer tirar as pessoas da comodidade. A casa tem de servir a comodidade. A obra de arte é revolucionária, a casa é conservadora. A obra de arte mostra novos caminhos à humanidade e pensa no futuro. A casa pensa no presente. Uma pessoa ama tudo o que serve a sua comodidade. Odeia tudo o que quer arrancá-la da sua posição habitual, segura, e a incomode. E, por isso, ama a casa e odeia a arte”.[2]


Assim, a casa resulta de um vasto leque de relações entre a paisagem existente, a topografia e o pátio. Este pátio, metaforicamente, pode ser considerado a lareira em torno da qual a casa se organiza. Ideia também defendida por Frank Lloyd Wright na concepção da arquitectura: “O exterior é o resultado do interior… As casas desenvolvem-se a partir de um núcleo central e abrem-se ‘como plantas’[3]” . Assim, também podemos estabelecer uma relação com o facto de, uma das paredes exteriores “envolver” as escadas interiores, dando assim uma percepção diferente do espaço.


5.       Os aspectos do projecto que mais se distanciam dos modelos canónicos do movimento moderno
Desde a essência que o arquitecto queria dar à casa, a sua relação com a envolvência, com o meio rural – o alinhamento da extremidade da casa com as casas tradicionais pré-existentes - torna-se simbolicamente um pensamento afastado (um pouco) do Moderno.
A nível construtivo, o facto de querer preservar o poço (deixando-o fazer parte integrante do projecto) como também a presença do galinheiro, afastam a casa dos modelos canónicos do Movimento Moderno.   
Na nossa opinião, e analisando o alçado sul, parece-nos haver aqui uma arquitectura sobre arquitectura enquanto sintaxe, pois segundo Peter Eisenman os “conceitos como adição e subtracção, cheios e vazios, rotação e translação, camadas e níveis, estractos e deslocações, etc., darão um lugar ao aparecimento de uma arquitectura”.[4]


[1] Hermann von Muthesius, The English House, citado em: George Bird, The Space of Appearance, 1995. *p. 65
[2] Adolf Loos, Architektur, 15 de Dezembro de 1910, em: Adolf Loss, escritos II – 1910/1932, El Croquis, 1993. *p. 33
[3] Panayotis Tournikiotis, The Historiography of Modern Architecture, 1999. * 51-78
[4] R Moneo, Inquietude Teórica y Estrategia Proyectural en la Obra de Ocho Arquitectos Contemporáneos, 2004. *p150-153


Trabalho de Síntese Final | UC Geometria 


Painel 1

Painel 2

Painel 3

Painel 4

Painel 5

Painel 6